Poema Deslumbramentos
Deslumbramentos
Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.
Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhes as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!…
Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!
Ah! Como me estonteia e me fascina…
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!…
Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!
O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pelo dum regalo!
Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.
E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como a um brilhante.
Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.
E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!
Cesário Verde
Análise do poema
Estrutura externa:
o poema é constituído por 10 quadras
os versos são decassílabos;
Quan/do /pa/ssa a/ro/má/ti/ca e /nor/mal
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
A rima é cruzada, segundo o esquema rimático ABAB;
Milady, é perigoso contemplá-la, A
Quando passa aromática e normal, B
Com seu tipo tão nobre e tão de sala, A
Com seus gestos de neve e de metal. B
Estrutura interna:
Tema do poema: a mulher fatal
Assunto: O sujeito poético deambula pela cidade, seguindo uma mulher citadina, que o atrai.
É possível dividir este poema em 4 partes:
A primeira parte corresponde às quatro estrofes iniciais, onde o sujeito poético confessa o fascínio que Milady exerce sobre ele;
A segunda parte é composta pela quinta e sexta estrofe, onde está representado o encontro entre o sujeito poético e Milady;
A terceira parte coincide com as duas estrofes que se seguem, aqui encontramos a aceitação do sujeito poético à atitude orgulhosa que Milady revelou quando se cruzou com ele;
A quarta parte corresponde às duas últimas estrofes, onde o sujeito lírico acautela Milady para os perigos das atitudes e alerta-a para a possibilidade de todo o orgulho poder se voltar contra ela;
Este poema começa com uma apóstrofe "Milady", uma forma arcaica de se referir a uma mulher de alta classe. O uso desta forma de tratamento sugere que a mulher é de uma classe social elevada. Além disso, o perigo mencionado pode ser interpretado como o perigo emocional que o poeta sente ao contemplar a beleza da mulher "Milady, é perigoso contemplá-la"(v.1). Esta forma de tratamento também aponta para uma relação de criado-senhora entre o sujeito poético e a mulher amada, encontrando-se ela num plano superior e ele num plano inferior.
O poeta descreve os gestos da mulher como sendo de "neve" e de “metal". A "neve" pode ser interpretada como um símbolo de pureza e frieza, enquanto o "metal" sugere uma força inquebrável e uma resiliência duradoura. Juntos, esses elementos criam uma imagem de uma mulher que é ao mesmo tempo delicada e forte"Com seus gestos de neve e de metal"(v.4).
Perante o fascínio do eu lírico, Milady mostra-se fria e insensível. A sua postura elevada fá-lo sofrer, uma vez que se sente humilhado por esta indiferença. Milady sabe que exerce este poder encantador sobre os homens. Por isso, é orgulhosa na sua postura, mostrando-se superior e tratando com desprezo os inferiores. Então, é perigoso contemplar Milady porque a paixão que é despertada por essa contemplação leva ao sofrimento. O seu olhar é caracterizado de forma contraditória, pois fere ou conforta.
Quando o sujeito poético se encontra com Milady diz que esta mulher fatal caminha sempre sozinha e os seus sapatos produzem música no andar. Além disso descreve-a com uma certa ligação entre um “arcanjo”(v.22) e um “demónio”(v.22), essa ligação reflete-se através do olhar, que ao mesmo tempo acaricia e queima de maneira que pode causar sofrimentos.
O eu lírico deseja humildemente beijar-lhe as mãos como se ela fosse uma rainha, reagindo com frieza. Ela, sendo sempre sozinha e com comportamento frio, só o gelo poderia ser o seu esposo “Pois bem. Conserve o gelo por esposo”(v.25).
Nas duas últimas estrofes, o sujeito poético deixa um aviso a Milady. Esta deve ter cuidado e não se alegrar com a sua condição de rainha, capaz de ter um poder sobre os homens. O "eu" lírico avisa-a que o seu poder é algo passageiro. Um dia esta condição de superioridade acaba e os povos humilhados, os apaixonados desprezados irão vingar-se dela.
Este poema representa uma crítica social, onde Cesário Verde gostaria de ver aqueles que desprezam as classes sociais inferiores a arrastarem farrapos pelas ruas sozinhos, para que experimentassem um pouco do que é levantar todos os dias cedo para trabalhar, esteja de sol ou chuva e são tratados com repugnância.
Recursos expressivos:
Apóstrofe - “Milady” (v.1)
Dupla adjetivação - “ aromática e normal” (v.2)
Anáfora - “Com seu tipo…” (v.3) / “ Com seus gestos…” (v.4)
Metáfora - “gestos de neve e metal” (v.4)
Comparação - “como a um brilhante” (v.32)
Antítese - “ Um arcanjo e um demónio” (v.22)
Analogia com outros textos
Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.
Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério.
Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração, como as estátuas.
E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.
Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces,
És tão loura e dourada como as messes
E possuis muito amor... muito amor-próprio.
Cesário Verde
Neste poema, o sujeito poético retrata a mulher como fria e insensível. Na quinta estrofe e última estrofe, o sujeito poético reconhece a fatalidade da mulher, aprecia os seus cabelos e por fim critica que o único amor que ela sente é por si própria.
Letícia Lopes nº15 11ºM
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